Olá sou Janaina, mas todos me chamam de Jana, tenho 37
anos e sou dm1 há 17 anos.
Sou engenheira de materiais, mas trabalho atualmente como operadora de
telemarketing.
Sou Casada com o Fábio, tenho um filho de três anos: o Pedro e
vou compartilhar um pouco da minha história com o diabetes e de minha gestação
com vocês:
Sempre convivi com o diabetes em minha família, pois minha avó
materna (já falecida) era dm1 e minha mãe se tornou dm2 após os 40, tenho também
uma prima dm1 por parte de pai e minha avó materna me contava que duas tias
suas por parte mãe morreram jovens, elas emagreciam apesar de comer horrores e
urinavam muito, mas em 1900 e bolinha, na roça em Minas e sem
conhecimento e recursos, ninguém nem sabia o que era diabetes.
Eu me lembro de desde criança ver minha avó aplicando insulina e eu tinha um
pressentimento de que aquilo iria acontecer comigo, não sei explicar esse
sentimento, também não pensava nisso porque conforme eu já disse, o diabetes
era algo normal na nossa vida.
Fui uma adolescente tímida, tinha muitos amigos, mas só me
sentia mesmo bem em casa, com meus livros, praticava natação e comecei a
trabalhar em pé e em um ano minhas pernas encheram de varizes e doíam muito e
então procurei um vascular para operar, mas uns dois meses antes disto eu havia
ficado muito doente: tomei uma chuva forte e fiquei gripada, mas a gripe ao
invés de melhorar foi só piorando e eu ia ao PS e eles não investigavam o que
eu tinha e me mandavam de volta para casa, resumindo quando resolveram fazer um
raio x de meus pulmões eu já estava com pneumonia avançada e fiquei internada
muito mau e sai do hospital diabética, isso com 19 anos.
A minha endocrinologista da época me disse que a infecção matou
as células do meu pâncreas, eu até hoje duvido disso, mas o fato é que comecei
a ter os sintomas clássicos: fome, sede, emagrecimento e uns dois meses depois
da pneumonia, quando fui ao vascular e ele pediu os exames pré operatórios, o
resultado (eu nunca vou esquecer) foi: glicemia de jejum 380.
Minha mãe chorou demais e eu fiquei tranquila, com uma sensação
de dejavú e também eu achava que era só tomar remédio e levar uma vida
normal...QUE ENGANO!
Fiz dieta, comecei com apenas medicação e fiz a cirurgia, na
qual o médico cutucou minha perna e não retirou a veia doente e tive que
refazer a cirurgia com outro medico, mas graças a Deus ocorreu tudo bem, eu
estava naquele período chamado honey moon e continuei achando que seria fácil
conviver com o diabetes.
Eu trabalhava em uma lanchonete famosa e de repente sentia
vontade de comer tudo o que eu nem ligava antes, o resultado foi a primeira
internação por cetoacidose e o inicio do tratamento com insulina NPH.
De lá prá cá tudo mudou, e me tornei uma pessoa revoltada com a
vida, não fazia a dieta, vivia extremamente mau, perdi a conta de quantas
internações tive, dos empregos que perdi, eu sofri muito e fiz minha família
sofrer também, cheguei ao ponto de não ter um amigo sequer, eu vivia tão mau e
com tanta dor que a única coisa que eu conseguia fazer era trabalhar e dormir e
mais nada.
Tentava melhorar, tentei fazer a dieta que um médico me passou,
mas ele excluiu quase todos os carboidratos e por isso tive uma super produção
de ácido lático que me causou uma dor lancinante nas pernas, tentava de tudo,
bata iacon, remédio das freiras de Montes Claros - MG, chá de pata-de-vaca, mas
eu não conseguia o controle do diabetes e com isso veio na neuropatia nas
pernas e crises de dor que só passavam com dolantina.
Tentava fazer atividade física, mas não tinha força física para
continuar e devido a baixa imunidade a pneumonia sempre dava as caras e unida
com o diabetes gerava sempre internações no CTI, lembro de uma delas quando o
médico achou que eu estava em coma e disse pra minha mãe: Não há nada que
possamos fazer por ela porque o diabetes alimenta a infecção da pneumonia e a
infecção não deixa a glicemia baixar e a cetoacidose está matando ela, a
senhora sabe rezar? Então peça um milagre a Deus e ele fez o milagre e hoje eu
estou aqui contando essa história pra vocês.
Em meio a tudo isso sempre contei com o amor de minha família,
minha mãe Arlete e irmã mais nova Fernanda sempre cuidaram de mim e eu percebi
que não poderia continuar a vida assim e resolvi voltar a estudar, trabalhar e
tentar ser alguém na vida e foi aos trancos e barrancos que fiz o técnico em
plásticos e a faculdade de engenharia, consegui melhorar o meu controle, mas
vivia extremamente cansada da tripla jornada, meu dia começava as 4:30 h e
terminava 00:30 h, mas eu consegui me formar e consegui trabalho em outra
cidade e fui morar sozinha e enfrentar outro desafio.
Continuei sendo uma pessoa solitária, tinha que esconder de
todos na multinacional em que eu trabalhava que era diabética,eu era simpática
com todos, mas não tinha amigos e me sentia uma fraude porque ninguém sabia
quem eu era, até que conheci meu marido, em seis meses nos casamos e ele queria
muito ser pai, eu também sonhava em ser mãe, mas devido a todas as bobagens que
ouvi durante a vida e por ter focado sempre no sucesso profissional eu nunca
parei para pensar no assunto, mas resolvi tentar, sem estudar mais o assunto,
sem fazer um check up, eu simplesmente parei de tomar a pilula em um mês e no
outro engravidei com 33 anos.
No primeiro ultrassom o resultado foi: gêmeos idênticos, eu
paralisei, não conseguia tomar conta de mim, quanto mais de dois bebes???
Chorei de medo e meu marido de alegria, mas não esqueço do semblante de minha
ginecologista quando soube dos gêmeos, ela ficou muito preocupada.
Minha glicada estava em 9,5 e eu estava com uma leve infecção de
urina, tive um sangramento e tive que fazer repouso e tomar utrogestam no
inicio da gestação e meu dm descompensou e tive a sorte de conhecer uma
endocrinologista que foi um anjo em minha vida, a Dra. Márcia, ela propôs um
controle muito rígido, com medições praticamente de hora em hora, contagem de
carboidratos e visitas semanais no seu consultório e baixamos a glicada para
5,5, eu praticamente não engordava nos primeiros 5 meses, fazia a dieta, tomava
todos os remédios mas tive hiperemese gravídica e fiquei muito mau, o que
passou depois dos 4 meses.
Eu tratava a infecção com a gineco, mas ela sempre desmarcava as
consultas e resolvi mudar de medico, talvez foi este o meu erro: no começo o Dr.
era só atenções, eu continuava com infecção de urina e ele tratava bem, havia
planejado uma cesárea com aproximadamente 36 a 38 semanas e me passou a injeção
de corticoide para fortalecer os pulmões dos bebes e tudo eu fazia conforme ele
pedia.
E então meu sofrimento começou, comecei a inchar pernas e mãos e
desinchava de noite, minha pressão começou a subir e sentia uma ardência
horrível ao urinar e meu marido teve que parar de trabalhar para cuidar de mim.
Fui ao consultório deste médico no começo destes sintomas, mas
ele estava na "greve dos médicos" por melhores pagamentos dos
convênios e voltei para casa, na semana seguinte voltei e ele havia faltado a
consulta por razões particulares e na terceira semana ele não quis me atender,
pois estava com muitas consultas, neste momento meu marido fez um escândalo na
recepção dele, pois eu estava tão inchada que não andava mais direito e ele
então resolveu me atender e quando me viu se espantou e me internou na hora, eu
estava com 6 meses de gestação.
O resultado é que a infecção estava altíssima, o hospital
começou a me tratar com o antibiótico mais forte que havia na época, mas a
infecção na cedia, ela desceu para as pernas inchadas e se transformou em
irizipela, minhas pernas e pés ficaram de uma cor roxa escura, tive síndrome do
túnel do carpo, pressão alta e meu coração estava sobrecarregado.
Eu entrei numa espécie de túnel onde eu só via meu marido, que
não me deixou um só instante e meus filhos, que a cada ultrassom estavam bem,
com tamanho normal, eram dois meninos e eu achava que logo todos aquele
sofrimento iria passar e eu iria pra casa com meus dois meninos...mais um
engano.
Com sete meses e duas semanas eu piorei muito e o gineco
resolveu fazer a cesárea, eu não queria, mas não havia escolha, eu estava
morrendo e no dia 12 de outubro de 2011 as 17:30h meus dois meninos nasceram,
eu ouvi os dois chorinhos e chorei também mas não pude vê-los, pois eles foram
pra uma UTI e eu fui para outra.
Fiquei 2 dias na UTI numa espécie de limbo, meu útero demorou
para contrair, eu não conseguia me mexer devido a dor terrível da cesárea e só
sentia um vazio dentro de mim e quando finalmente fui para o quarto e pude ver
meus filhos na UTI eles eram perfeitinhos, cada um com 2,1 kg e 44 cm e 49 cm.
Me apaixonei quando os vi, não conseguia diferenciar um do outro
e fui melhorando muito aos poucos, fui desinchando, tomei transfusão de sangue
e meus filhos estavam bem e ganhando peso, o apelido deles na UTI neo natal era
“Tourinhos porque eles eram grandes e fortes e só estavam lá para ganhar peso,
até que 5 dias depois de nascidos, em uma das visitas notei o Lucas respirando
muito rápido, a médica fria como um iceberg jogou na minha cara e na do Fábio
que meu filho estava com infecção hospitalar e que provavelmente iria morrer.
Naquele momento eu só não cai porque estava na cadeira de rodas
do hospital e o sofrimento só estava começando, eu tive alta mas não fui pra
casa, eu e meu marido vivíamos perambulando pelos corredores do hospital,
esperando um olhar, uma palavra positiva, a gente se apegava a qualquer coisa
que indicasse a melhora do Lucas.
Eu não tive resguardo, praticamente morava no hospital, onde meu
marido me ajudava a tirar leite para os meus filhos, eu tinha muito leite,
graças a Deus.
Perdemos nosso Lucas com 2 meses de vida, depois de passar por
uma cirurgia para raspar a infecção de seu coração. Não vou contar
detalhadamente tudo o que aconteceu com ele porque sei que existem grávidas e
tentantes aqui e não acho necessário dizer tudo, mas saibam que só abracei meu
filho e o beijei no necrotério do hospital.
O Pedrinho ficou um mês no CTI e ganhou peso e teve alta, e nós
continuamos no hospital para fazer as três visitas diárias ao Lucas e minha
sogra que cuidava do Pedro em casa.
Pedro também teve intercorrências (como eles gostam de falar no
hospital), teve convulsão dois dias depois de nascido, ficou três dias entubado
por apnéia, pois os pulmões dele se esqueciam de respirar, teve icterícia e
infecção hospitalar, mas venceu cada um destes problemas, nosso guerreirinho.
Ele utilizou gardenal por um ano, mas hoje está livre de todas as medicações e
leva uma vida normal.
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Pedrinho no CTI
com 20 dias de vida
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Quando voltei
do enterro do Lucas, olhei para o berço e vi o Pedro dormindo de barriguinha
pra cima, na mesma posição que o irmão dele foi enterrado, aquilo me
enlouqueceu, eu não rejeitei o Pedro, nem nunca o culpei, eu me culpava, mas
não conseguia chegar perto dele, pois eu via o outro que era idêntico a ele.
Minha sogra
continuou cuidando dele, mas meu marido não aceitava aquilo e após alguns dias
ele decretou: Ninguém põe a mão no Pedro, deixa ele chorar o dia inteiro de
fome, com cocô, xixi, só quem vai por a mão nele é a Janaina.
Eu chorei, xinguei e
fui ficar no quintal o dia inteiro, mas aquele choro do Pedro começou a me
enlouquecer e uma hora eu não agüentei e
fui no berço e peguei ele com toda a raiva (estou chorando agora escrevendo
isso) e quando eu peguei ele no colo, naquele exato segundo, eu me arrependi tanto, ele era tão pequenino,
tão inocente, eu o amei tanto naquele momento e daquele momento em diante eu
peguei o Pedro no colo e nunca mais soltei ele.
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Pedrinho em
casa com 3 meses
Depois que tudo isso aconteceu, nos mudamos para uma chácara,
onde vivo uma vida pacata, temos galinhas, porcos, patos e meu filho vive livre
brincando no quintal e aprendendo a amar a natureza e a cuidar da criação com
meu marido. |
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Pedrinho
conosco com mais ou menos 3 meses
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Sinto uma profunda tristeza e saudade de tudo que não vivi com o
Lucas, mas aceitei o que aconteceu e sei que ele está nos céu nos braços de
Jesus.
Continuo mandando curruculuns e estudando para prestar concurso,
minhas prioridades nesta vida mudaram muito, não valorizo mais nada material,
meu marido vive lutando comigo para eu buscar algo melhor profissionalmente,
porque, por mim, tudo está mais do que ótimo, só desejo saúde e bem estar para
todos que amo.
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Pedro comigo
com 2,5 anos |
O Pedro é um capítulo a parte, ele é perfeito,está no prezinho e
é hiperativo e me enlouquece, come o meu juízo, dia desses eu falei que se ele
continuasse a agarrar a nossa gatinha eu ia dar uns tapas na bunda dele e ele
me disse: Si uce mi atê o Papai El não vai ti dar izenti ( se você me bater o
Papai Noel não vai te dar presente).
O pai dele é Peão de
Rodeio e quer que o filho siga a profissão, eu morro de medo pelos dois e prefiro
nem pensar nisso agora, já que o Pedro é pequeno e só vai escolher a vida que quiser quando for
maior.
Quero muito ter outro filho, mas agora estou com hipotiroidismo
e tenho 37 anos e confesso que meu controle ainda não é o ideal, então neste
próximo ano vou me cuidar mais, procurar bons profissionais e tentar de novo,
mas confesso que tenho medo de tudo que passei, tenho medo de ter gêmeos
novamente e tenho mais medo ainda de ir embora e deixar meu filho com 3 anos e
todos a quem amo.
O que aprendi com tudo isso?
Aprendi que deveria ter aceitado o diabetes desde o começo, que
deveria ter me cuidado, ter planejado minha gestação e buscado um gineco
comprometido como a endocrino Dra. Márcia e mais do que tudo, aprendi que a
vontade de Deus sempre prevalece e que preciso HOJE cuidar da minha saúde pra
ser uma boa mãe para o Pedro, boa esposa para o Fábio, boa filha e irmã e quem
sabe ainda mãe novamente?
Aprendi a ser mais humilde e dar valor as pessoas a não a coisas
e a não me revoltar contra Deus, como fiz quando fiquei diabética. Eu orei
tanto, pedi tanto a Deus para o Lucas não morrer, mas assim foi e eu não me
revolto, eu aceito e sou grata pelo Pedro, pois sei de casos em que uma mãe
perde os dois filhos.
Antes eu pensava muito no gineco que me abandonou quando mais
precisei, mas graças a Deus me libertei disso, ele só pensava no lucro dele
espero que Deus trate com ele no momento certo, de minha parte estou em paz,
meu marido queria processá-lo e também ao hospital, mas eu não quis reviver
tudo aquilo, até escrever este depoimento está sendo difícil pra mim e também
tive que me perdoar, pois eu me questionava (ainda questiono) porque eu não
mudei de médico, porque esperei por ele?
Se não conseguir mais engravidar vou adotar um menino, quero um
grandinho, daqueles que ninguém quer mais porque já não é mais bebe.
Ah me inscrevi na hidroginástica aqui do bairro pra cuidar mais
da saúde, hoje me trato com lantus e humalog, que pego na prefeitura de São
José dos Campos e me sinto bem com estas insulinas, agora tenho que policiar mais
minha boca...
Abraços a
todos.
Janaina L.
Figueiredo Carvalho
Fábio R. S.
Carvalho
Pedro A.F. Carvalho