Me chamo Kath Paloma, 30 anos, coordenadora
pedagógica, sou de São Paulo – Capital, pós- graduanda em Educação em Diabetes,
usuária de bomba de insulina e tenho Diabetes Tipo 1 há mais de 10 anos.
Casei-me aos 20 anos de idade cheia de expectativas, esbanjando
saúde e pensando em diversas possibilidades para o TCC da pós- graduação, foi
quando meu presente de casamento veio num envelope branco: Glicemia em jejum
237mg/dl. Mas tarde no Pronto-Socorro o exame de sangue registrava mais de 800mg/dl.
Os sintomas já estavam aparecendo, mas eu jamais achei que seria diabetes.
Novos desafios, sintomas, adaptações e assim a vida
foi tomando seu rumo. Sempre fui assistida por uma boa equipe médica, mas sabia
que precisava ir além do que me era passado, a vida era minha, portanto o
interesse era meu. Passei a frequentar palestras, buscar grupos nas redes
sociais, ler muito (inclusive bibliografias da área da saúde) e a questionar
minha endocrinologista, as consultas passaram a ser produtivas, porém nada da
minha hemoglobina glicada baixar e o sonho da maternidade começou a aparecer,
estávamos com mais de 5 anos de casados.
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Havia perdido 18 kgs após o diagnóstico do DM1 |
Cinco meses depois fiquei grávida novamente, novos
desafios vieram, era uma vida dentro de mim, que necessitava do meu organismo
para desenvolver-se e que literalmente mexeu com todas as minhas estruturas,
mas tê-lo em mim me fazia muito bem.
Iniciei a gestação usando insulinas Levemir e
Humalog com constantes oscilações glicêmicas próprias deste período, porém pelo
histórico de aborto e por outros problemas que fui desenvolvendo entramos com a
bomba de insulina e com o sensor que me foram grandes aliados principalmente
nas hipoglicemias assintomáticas. Tive uma gestação inteira de vômitos e
enjoos, insônia, azias, enxaqueca, síndrome do túnel do carpo, meralgia
parestésica, aumento do colesterol, constipação intestinal ,
tireoide (valor aumentado), poliidrâmnio,
hipertensão, inúmeros sangramentos, candidíase, colestase (coceira continua
pelo corpo) dilatação e contração precoces, além do diagnóstico de um bebê
cardiopata e macrossomico. Eram tantas coisas, tantos medicamentos... Haviam
momentos que eu só queria parir logo para ter certeza que ambos viveríamos, mas
logo estes pensamentos iam embora e a jornada continuava, meu psicológico
precisava estar "estruturado"...
Havia também o desafio diário de lidar com as HIPO
(queda de açúcar no sangue) e HIPERGLICEMIAS (alta do açúcar no sangue), as
mesmas influenciam muito durante a gestação.
Em uma hipo, meu marido antes
de me socorrer chamou minha atenção pois eu não havia feito um dextro
anteriormente, me descontrolei e mordi
sua perna com uma força sem limites, ele pedia para que eu o soltasse
e não conseguia, quando finalmente o larguei, deu dó da pena dele (a marca da mordida ficou por meses
nele).Tive diversos episódios de hipoglicemias que me transtornaram, meu maior
medo era de que algo ocorressem com meu filho, pois isso poderia ocorrer.
Na gravidez tive uma internação e visitas semanais a endocrino (quarta feira), obstetra (segunda feira), a cada quinze dias nutricionista (quinta feira) e exames (sexta feira). Continuei trabalhando e adaptava os médicos aos meus possíveis horários, ia diminuindo o ritmo acelerado, mas não me isentei de nada. Engordei 8 quilos durante a gestação, tive uma dieta assídua e me dediquei ao máximo a ela. |
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Diante de tantas doenças eu me munia de cuidados assíduos,
fé e muita leitura sempre dizem:
Educação em Diabetes
salva Vidas e de fato salva! Claro que cada caso é um caso, mas
Informação, interesse mudam uma história, eu mudei duas histórias, a minha e
a do meu filho, claro que nunca estive sozinha, tive um esposo presente,
amigos e uma equipe médica competente, mas tudo dependia mais de mim do que
deles.
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Com trinta e quatro semanas meu
guerreiro Davi resolveu estourar sua bolsa, acordei de madrugada com este
susto. Fomos para o Hospital , me mandaram para outro de alto risco, minha
obstetra não poderia fazer o parto sem prévio agendamento, foi um furdunço de
madrugada, mas recebemos os cuidados necessários enquanto aguardávamos um
cardiopediatra para o parto, e dez horas depois do rompimento da bolsa, eu,
marido e bomba de insulina, entrávamos para o centro cirúrgico para
conhecermos aquele rapazinho que revolucionou as nossas vidas.
Este rapaz nasceu com 3.510 kgs e 48 cm. Foi para a UTI Neo Natal onde passou 10 dias para ser assistido devido à hipoglicemia, síndrome da angústia respiratória, hipoglicemia, icterícia e cardiopatia. Não! Ele não nasceu com diabetes, sua hipoglicemia deu-se pois em meu ventre ele lidava com as minhas oscilações glicêmicas via cordão umbilical, portanto o pâncreas dele “fabricava” mais insulina, afim de lidar com esta situação, ao cortar o cordão umbilical, o pâncreas dele não necessitava mais da quantidade de insulina que ele excretava,sendo assim, por excesso de insulina em seu corpo ele teve hipo. Demora um tempinho para que o corpo do bebê entenda que ele não precisa mais “fabricar” tanta insulina, depois tudo normaliza.
Durante a gestação a palavra
AMAMENTAÇÃO foi pesquisada por mim, principalmente por que queria entender
isso em uma mulher com diabetes, fui instruída por algumas colegas “experts” no
assunto, mas quando me deparei com uma UTI Neonatal, foi meio desesperador,
eu só pensava em ver o bebe salvo e longe daquele lugar, todo o conhecimento
neste quesito foi esquecido, eu sabia que lá ele tomava soro e fórmula e
estava suficiente aquilo para mim, nenhum profissional da saúde me lembrou
sobre amamentação e eu nem lembrei que produzia leite.
Até que no quarto dia uma
enfermeira me perguntou o porquê de eu não ir para “sala da ordenha”, eu nem
sabia do que ela estava falando. Com muita paciência a enfermeira foi me
falando sobre amamentação e eu não havia sequer lembrado ou tentado. A
primeira experiência foi traumática, coloquei em meu seio direito uma bomba
tira-leite elétrica, não foi dolorido, mas nenhuma gota descia...Chorei! Me
achei incapaz e envergonhada pois naquele lugar todas as mulheres tinham
leite, e muitoooo e eu nada. Do peito esquerdo saíram 15 mls, que no mesmo
momento foi dado via sonda para o Davi, mas sai dali péssima, com um misto de
sentimentos... Feliz por meu filho tomar “algo meu” e triste pelos motivos já
citados.
Achei que seria fácil, que logo
sairiam jatos de leite, mas ao contrário, “eu não tinha leite”, não lembrei
disso, ninguém me lembrou... Como eu poderia ter esquecido disso?
No sexto dia quando Davi pôde
vir pro peito foi um “Deus nos acuda” ele estava na mamadeira (fórmula) e
rejeitava o peito, era compreensível esta atitude dele, nunca havia ido para
o peito e ainda era mais “complicado” que a mamadeira. Foi quando uma
enfermeira orientou que comprássemos bico de silicone até que ele se
adaptasse. Prontamente fomos a farmácia da esquina e compramos, esterilizamos
e foi ali até que ele meio que aceitou mamar...
Percebendo meu desespero um dos
pediatras da UTI me passou um medicamento na tentativa de me ajudar na produção
do leite. Passei a ingerir muito liquido, mas não tinha sucesso, sem falar
que para achar posição, nos ajeitarmos,era tenso...Gente do Céu! Que tormento!
Sai do hospital convicta em comprar fórmula “meter” mucilon no menino e parar
aquele calvário.
Fomos para casa, a tia do meu
marido foi crucial neste processo, me estimulou amamentar, mas eu não largava
a fórmula por insegurança. Davi era um bebe extremamente chorão e eu
desesperada.
O medicamento começou a surtir
efeito, comecei a ter muito leite, mas Davi se negava a pegar, quando pegava
era muito rápido e como logo eu dava mamadeira pela agonia dele, ele meio que
entendeu o processo. A tia com toda a paciência ficava conosco nos acalmando,
passei a participar de grupos de amamentação no facebook, do plano de saúde, mas
nada parecia condizer com minha realidade, pior do que me sentir incapaz, era
ouvir das pessoas tudo o que ouvi...Me julgavam por meus seios serem
pequenos, diziam que eu não teria leite para dar pro menino, que meu leite
fraco pelo diabetes...Ah! Tantas coisas!!!!
Durante um tempo o processo era
um só. Eu tentava dar o peito, ele rejeitava, eu tirava na bombinha, ele
mamava, depois eu me irritava e complementava com a fórmula.
Um dia acordei decidida a
passar a amamentar, poderia até usar a mamadeira, mas queria que mamasse em
meu peito, os meus não racharam e nem nada, mas doíam de cheios que estavam, além
de eu ter muito leite e ele não aproveitar nada.
Após levantar, na hora da
mamada matinal decidi insistir no peito,ele não quis,chorou muito, decidi que
aguentaria aquele show sem ceder, Davi chorou tanto que dormiu (sem mamar). Ao
acordar outro show de choro, eu insisti no peito e ele nada, foi um bom tempo
de agonia, choro e shows, eu olhava para aquele serzinho pacientemente e
continuava insistindo, meu esposo foi quem surtou com o desespero do garoto, decidi
que por nada iria dar a mamadeira, até
que depois de um bom tempo ele grudou no peito e não soltou mais... O tempo
foi passando... Achamos a nossa posição, o nosso momento... Foi mágico!Foi
libertador!
Ele mamava de todas as formas,
sentado, de pé, deitado, no colo... Foi crescendo e escolhendo... Era um
momento rico! Aqueles olhares que trocamos nos mais de dois anos da
amamentação foram únicos, nunca mais o tivemos. Era regado de agradecimentos,
paz, amor,ternura e carinho.
Junto com este momento, veio um
enorme desafio: CONTROLAR AS GLICEMIAS, ALIÁS AS HIPOGLICEMIAS.
Precisei diminuir a insulina
basal da bomba de insulina, diminui na contagem de carboidratos e as vezes
nem a fazia, porém continuava tendo inúmeras hipos. Espalhei balas e sachês
de açúcar pela casa inteira, até no banheiro tinha, mantive contato constante
com a endocrinologista e avisei a família inteira do que se tratava, passando
confiança a todos, pois o que eu menos precisava era quem me julgassem
incapaz.
As
hipos vinham do nada, às vezes assintomáticas, outras com sintomas clássicos: fadiga, fome excessiva, sudorese excessiva,
tontura, tremores, apatia,confusão mental,palpitações , ritmo cardíaco
acelerado, formigamento
nos lábios , secura, ansiedade,
dor de cabeça, fala arrastada, irritabilidade, nervosismo, palidez, pupila
dilatada, sensação de formigamento, sonolência, tremor ou visão embaçada.
Imaginem só, lidar com o cotidiano materno,doméstico, com nossas funções
sociais e mais isso.
Engordei muito amamentando, o
que não engordei na gravidez veio na amamentação, a cada hipo, as correções
eram feitas com doces, a dieta desmoronou um pouco... Não bastava lidar com
toda aquele montanha-russa, tinha me olhar no espelho, ver-me mais gorda,
cheia de olheiras,responsabilidades e explicar para o “mundo”o porque de ter
engordado, enquanto a maioria das pessoas neste momento emagrecem.
Fui incentivada várias vezes a
deixar de amamentar, inclusive pelos médicos, mas eu queria proporcionar ao
meu filho e a mim este momento.
Confesso que não foi fácil! Houve momentos
desesperadores, como em uma madrugada que ele acordou chorando, levantei para
amamentá-lo e me sentia bem, fui pegá-lo no berço, a partir de então Anderson
notou que o choro do Davi ia ficando incessante e eu andava
descontroladamente pela casa, ao levantar notou que eu estava em hipoglicemia
(estava com sudorese, confusão mental e falava coisas sem sentido
desesperadamente).Meu marido pediu para pegar o Davi e eu não o entregava de
jeito nenhum, quem tem hipo sabe que algumas vezes a gente se transforma, foi
tenso! Quando finalmente ele conseguiu tirar Davi dos meus braços, eu estava
pingando de suor gelada e não dominava mais meu corpo, o choro passou a me
dar uma irritabilidade fora do normal, Anderson confuso sem saber quem acudir
primeiro, mas lembrou que em uma hipoglicemia, sou sempre a primeira, me deu
água com açúcar , me deitou na cama e foi cuidar do Davi dando-lhe fórmula,
eu não tinha condições nenhuma de amamentá-lo naquele estado. Decidi manter a
fórmula na minha ausência e em minha presença amamentá-lo. Surtei inúmeras
vezes, só eu sei o que passei, mas decidi continuar amamentando, mesmo que
para alguns a amamentação de verdade seja a exclusiva. Exclusividade para mim
é mesmo diante de tudo o que passei, dar tamanha importância a AMAMENTAR.
Enriqueço este depoimento com
histórias para que valorizem o processo de amamentação o quanto puderem, pois
não sabem o que algumas mulheres passam para que ele ocorra. Tivemos outra
história pela madrugada. Eu e meu marido dividíamos o levantar para pegar
Davi do berço. Levantei para pegá-lo após ouvir seu choro, Anderson percebeu
que o choro não parava, foi nos ver e me viu “amamentando” a fralda de pano
do Davi,conversava com ela, a acalentava e Davi no berço continuava a chorar,
na minha cabeça eu estava com ele em meus braços e não com uma fralda de
pano.Rindo Anderson me acolheu,cuidou da hipo e deu mamadeira ao Davi.
Teria inúmeras histórias para
contar aqui, mas elenquei estas duas para mostrar-lhes que muitas vezes não é
fácil amamentar. Respeito tudo o que ouço sobre o porque de muitas mulheres
não terem amamentado, compreendo e não julgo, cada um sabe de si e sabe o
quanto estas cobranças nos pesam, mas digo que eu KATH decidi por AMAMENTAR,
decidi por insistir,buscar informações, permitir-me chorar, gritar,
esbravejar e me libertar das amarras que queriam me colocar, mesmo diante das
adversidades eu e Davi tivemos momentos únicos enquanto eu o amamentava.
Aprendi
que para sentir-me segura amamentando deveria medir mais a glicemia, fazer um
pequeno lanche antes de dar de mamar, optar por alimentos integrais que ajudam
a segurar mais a glicemia, ingerir mais água, com o auxílio da médica abaixar
a insulina basal, algumas vezes precisei rever a contagem de carboidratos e
muitas vezes nem a fazia, tudo neste momento era na base da percepção, não
tinha fórmula mágica. As mães com diabetes tipo1 tendem a ter hipoglicemias porque
o consumo de energia é superior ao normal pela produção do leite materno que
vai riquíssimo em nutrientes. Nosso leite não é mais fraco, é tão rico quanto
ao de qualquer outra mãe, não passamos diabetes pelo leite materno e nem transmitimos
diabetes se precisarmos comer doces enquanto amamentamos (para corrigir uma
hipo).
O Amamentei dois anos e sete
meses, no início apresentei hipoglicemia, mas diminuindo insulina,
controlando a alimentação e o corpo se acostumando a esta nova etapa, estes
episódios foram diminuindo. Ele só deixou de mamar pois dialogamos muito,eu
como mãe achei que era o momento para que outras coisas lhe ocorressem.
Com um ano o “tirei” da
mamadeira, fomos para o copo de transição e nunca lhe dei chupeta.
Foram dias mágicos, mesmo
diante de algumas hipoglicemias, me sinto privilegiada em poder ter
amamentado meu filho. Não me arrependo de forma nenhuma.
Quando olho para trás, há
exatamente 4 anos e 1 mês, vejo que minha história pôde REVOLUCIONAR vidas e
mostrar que a maternidade com diabetes é possível, mas não basta querer ser
mãe, tem que se inteirar, se envolver e principalmente se informar.
Coloquei o DIU Mirena e ainda não me sinto preparada para falar de um segundo filho, mas também não descarto a ideia. |
Acredito piamente em gestação e maternidade na vida
de mulheres com diabetes, e mais ainda, acredito que mulheres com diabetes bem informadas
geram filhos com mais segurança e os educa para lidar com os constantes
desafios da vida, pois já que somos um exemplo diário disso.
Aprendi muito nestas 34 semanas, muito mesmo, fiz tantas coisas, me organizei de inúmeras maneiras que hoje servem de dicas para outras mulheres.
Meu blog tomou outro rumo, de um simples diário de
uma “diabética” tornou-se um BLOG FOCADO EM GESTAÇÃO E MATERNIDADE, senti a
necessidade de buscar uma formação acadêmica neste sentido e hoje faço uma
pós-graduação na área onde meu trabalho de Conclusão de Curso (TCC) aborda a
temática do meu blog. Não sou da área da saude, tão pouco quero substituir um
profissional desta área, quero apenas ENCORAJAR e mostrar que com os devidos
cuidados e orientação médica este sonho é possível. Faço o que gostaria que
tivessem feito por mim durante a gestação, só não faço mais pois meu tempo não
me permite.
Davi é criado lidando diariamente com o diabetes,
conhece todos os insumos e suas funcionalidades, entende o que é HIPO e
HiPERGLICEMIA,sabe que em algumas vezes mamãe será sempre prioridade, vibra a cada nova conquista relacionada ao diabetes pois sabe o quanto isso é importante para mim, mesmo não entendendo ao pé da letra o que algumas coisas querem dizer. Diz que quando crescer será médico para cuidar de “gente que
tem diabetes”rs (vamos ver rs).
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